Quando o roqueiro australiano Nick Cave se mudou para
São Paulo, em 1990, teve de admitir que o Brasil não era seu lugar. Três anos
depois ele foi embora, pois não suportava a cultura de sociabilidade do
brasileiro. “Ele é sorumbático, mais solitário, e não gregário como o povo
daqui. Nick dizia que não aguentava esse jeito sociável”, relembra ao iG o
americano Matthew Shirts, jornalista e brasilianista, radicado no País desde
1976.
Se o anglo-saxão mantém certa distância do outro, o
brasileiro é inclusivo. Gosta de gente, de interagir, de juntar todo mundo para
celebrar. Daí o fato de a adaptação de um estrangeiro ao Brasil ocorrer
naturalmente. Este traço é bastante sublinhado por boa parte dos estrangeiros
que moram aqui. “Tem aquela coisa de botar mais água no feijão”, Matthew diz,
aos risos, sobre o imenso capital social do Brasil. “Fui adquirindo essa coisa
mais ‘pegajosa’ nesses 27 anos, mas nos Estados Unidos isso pode gerar uma
acusação de assédio sexual”, afirma.
A propalada sociabilidade brasileira é um dos mais
manjados cartões de visitas do País, mas ainda encontra meios de surpreender
quem vem de fora. “O maior choque cultural foi a ótima receptividade das
pessoas com alguém que não conhecem”, diz o engenheiro de informática francês
Olivier Teboul, 29 anos, ao lembrar do dia em que colocou os pés no Brasil, há
quase dois anos.
“Saí do aeroporto com três números de telefone de
gente que disse ‘qualquer coisa, pode me ligar’. "Psicologicamente é um
apoio enorme, me senti acolhido”, afirma. “Acho que, na França, para um
estrangeiro é mais difícil se integrar em um grupo de franceses sem conhecer
ninguém do grupo”.
Há algumas semanas, Olivier ganhou repercussão nas
redes sociais com o post de estréia de seu blog, em que listou 65 impressões e
costumes dos brasileiros que lhe causaram surpresa. Elas vão de observações
divertidas – “Aqui no Brasil, comida salgada é muito salgada e comida doce é
muito doce. Até comida é muita comida” – a coisas que jamais supomos ser
espantosas para alguém, como “Os brasileiros escovam os dentes no escritório
depois do almoço”.
Também fez referências ao clássico complexo de
vira-latas brasileiro (“Aqui no Brasil, as pessoas acham que dirigir mal, ter
trânsito, obras com atraso, corrupção, burocracia, falta de educação, são
conceitos especificamente brasileiros. Mas nunca fui num país onde as pessoas
dirigem bem, onde nunca tem trânsito, onde as obras terminam na data prevista,
onde corrupção é só uma teoria, onde não tem papelada para tudo e onde tudo
mundo é bem educado!”) e não poupou elogios ao que acha interessante: “Aqui no
Brasil, pode pedir a metade da pizza de um sabor e a metade de outro. Idéia
simples e genial” .
Tampouco deixou passar inoperâncias famosas: “Aqui no
Brasil, o sistema sempre tá 'fora do ar'.Qualquer sistema, principalmente os
terminais de pagamento de cartão de crédito” e “Aqui no Brasil, tem um
organismo (sic) chamado DETRAN. Nem quero falar disso, não saberia por onde
começar...”
“São observações, não tem juízo de valor”, conta
Olivier, rebatendo críticas de brasileiros que deixaram comentários pouco
gentis em sua página. “A coisa que achei mais legal, e que era totalmente não
intencional, é que se gerou uma reflexão dos brasileiros sobre o Brasil, sobre
a identidade brasileira”.
Mudar de país leva a pessoa a ampliar seus horizontes
sobre uma nova cultura, mas também a aprender sobre a sua própria nação. É o
que a argentina Juana Kweitel, de 40 anos, diretora de programas de uma ONG de
Direitos Humanos, descobriu durante os 10 anos em que vive em São Paulo. “Não
percebia, vivendo na Argentina, como todo mundo lá é tão dramático. O que gosto
daqui é que o povo é mais otimista”, declara.
Hoje Juana já se afina com o temperamento do
brasileiro, mas no início se atrapalhava com a leitura de alguns códigos. “Uma
coisa diferente da minha cultura é a dificuldade de o brasileiro falar ‘não’.
Ele sabe que não vai, mas diz que vai. Mas não é uma mentira; tem a ver com
poupar o outro, não frustrar. Antes eu não entendia isso”.
O americano e chef de cozinha Todd Harkin, 40 anos,
também só se deu conta da vida que levava e do ritmo frenético que tinha nos
Estados Unidos quando foi transferido para São Paulo, há quatro anos, para
coordenar a cozinha de um restaurante. “Reparei aqui que as pessoas fazem
pausas no trabalho. Nos Estados Unidos não fazemos intervalos”.
A acessibilidade pessoal atribuída ao brasileiro
também é notada por não europeus. “Agora que falo bem português, bato papo no
ponto de ônibus, converso com as pessoas, coisa que jamais aconteceria na
Etiópia. Os etíopes são muito discretos e não falam sobre a sua vida pessoal”,
conta a consultora ganense Arlette Afaggbegge, 29 anos, que cresceu na Etiópia
e há quatro anos mora em São Paulo.
Mas nem tudo foram flores quando ela chegou à capital
paulistana. “A maior dificuldade que encontrei era a de circular pela cidade.
Não imaginava que eram 20 milhões de pessoas e que falar inglês não adiantava,
em geral. Então me perdia bastante, e muitas vezes tive que passar o celular
para o meu marido falar com o cobrador do ônibus”.
Toda essa energia “solar” agrada a maioria, mas pode
também incomodar os mais sóbrios. “O brasileiro é muito barulhento”, declara o
inglês e consultor de marketing Pierre Larose, de 32 anos. Acostumado com um
contexto de vida mais silencioso, ele precisou acostumar os ouvidos nesses três
anos viajando por todo o território por causa do trabalho. “Por outro lado,
eles têm mais toque, são mais sociáveis e mais relaxados”, concede. Outro
comportamento que não entra em sua cabeça é a importância do “ter” como status.
“O julgamento social é muito grande. As aparências e a classe são extremamente
importantes aqui”.
As diferenças sociais existentes no Brasil estão
sempre presentes no noticiário mundial. Talvez por isso a estrutura de São
Paulo, especialmente dos bairros centrais, surpreendeu o canadense e músico
Robert Boyle, de 33 anos, que mora na cidade há menos de um ano. “ O Brasil
parece mais com um país desenvolvido do que eu esperava. A Vila Olímpia, por
exemplo, poderia ser uma área de Vancouver. Você vê muita tecnologia, gente com
iPhone, prédios, estradas, infraestrutura, além de um metrô mais moderno, limpo
e silencioso que o de grandes cidades internacionais”, conta.
Além disso, a observação dos detalhes é o que Robert
acha mais interessante. Para ele, o brasileiro é paciente: “não sabia que as
pessoas eram assim. Estão sempre esperando filas, ou indo devagar no metrô”.
Bárbaro, grosseiro, melancólico, preguiçoso e
malandro, por um lado, e exótico, alegre, cordial e “chegado”, por outro. Essas
são algumas das imagens tradicionalmente associadas não só pelos estrangeiros,
mas também por sociólogos, antropólogos e escritores nativos à representação do
brasileiro, como conta a professora de Linguística da Universidade Federal da
Bahia Denise Scheyerl.
Ao morar fora do País, Denise também enxergou, pelo
viés dos gringos, uma percepção estrangeira sobre o Brasil: “Morei 20 anos na
Alemanha e tinha que mostrar meu passaporte, pois me enquadrava mais como
húngara. Para eles, para ser brasileira precisa ser mulata e sambista. Mas
reduzir uma cultura a uma imagem é algo do mundo neoliberal. É uma
questão política”.
FONTE:
http://www.portalinvest.com.br/noticia/etc-/como-os-estrangeiros-veem-o-brasileiro-noticia-7456.html
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