O desfecho da selvagem
disputa federativa pelas receitas dos royalties do petróleo, com a derrubada do
veto presidencial, enseja reflexões sobre a forma lamentável com que o País vem
enfrentando o desafio de se preparar para tirar bom proveito das jazidas do
pré-sal. Ter em mente o que teria sido possível, num cenário alternativo, ajuda
a perceber a extensão dos equívocos que deram lugar ao problemático arcabouço
legal que hoje pauta a exploração e a partilha do pré-sal.
Há cerca de cinco anos,
quando o País começou a se mobilizar com o problema, o governo poderia ter dado
ao pré-sal o encaminhamento cuidadoso e, quem sabe, suprapartidário, que a
importância da questão exigia. O flexível marco regulatório que então disciplinava
a exploração de petróleo no Brasil vinha funcionando bastante bem. E poderia
ter sido facilmente adaptado para acomodar as especificidades do pré-sal.
Mas essa possibilidade
de encaminhamento mais sóbrio da questão foi perdida. Às voltas com a desaceleração
do crescimento, na esteira da crise econômica mundial, e com o desafio de
eleger uma sucessora sem experiência eleitoral prévia, o presidente Lula não
resistiu à tentação de partidarizar a discussão do pré-sal e transformar a
questão em plataforma de lançamento da candidatura Dilma Rousseff.
Em vez de aproveitar o
marco regulatório preexistente, desenvolvido pelo governo FHC, o Planalto quis
impor novo conjunto de regras que marcasse quebra inequívoca com o arranjo
então vigente. Algo que caracterizasse restauração do controle estatal sobre a
exploração de petróleo no Brasil. E que exacerbasse diferenças que pudessem
favorecer a candidata oficial no embate político. Foi o que se viu, em agosto
de 2009, quando o governo deu a público o novo marco regulatório do pré-sal,
numa cerimônia grandiosa em Brasília, para 3000 convidados, marcada por um tom
nacionalista que parecia desenterrado dos anos 50. Já era a prevalência da
lógica do marqueteiro.
É difícil saber que
importância, de fato, acabou tendo a partidarização do pré-sal na eleição de
Dilma Rousseff. Mas não resta dúvida de que o tema teve presença desmedida em
sua campanha. Em meio a infindáveis cenas em que a candidata exibia mãos
lambuzadas de petróleo e envergava macacões e capacetes da Petrobrás, em
plataformas, embarcações e estaleiros, reais e virtuais, os eleitores foram
conclamados, na reta final da campanha, a eleger "a presidente que não vai
deixar privatizar a Petrobrás nem o pré-sal".
Agora, aos poucos, o
governo vai-se dando conta dos custos do encaminhamento partidarizado e pouco
razoável que deu à questão do pré-sal. Constata que não percebeu os efeitos
altamente deletérios das exigências de que a Petrobrás tenha monopólio da
operação dos campos do pré-sal e participação de pelo menos 30% em cada
consórcio que venha a explorar tais campos. E também se dá conta dos problemas
que vêm sendo causados pelas absurdas exigências de conteúdo local para
equipamentos utilizados no pré-sal. A questão agora é como a Petrobrás e o
pré-sal poderão se livrar dessas camisas de força sem que o recuo imponha ao
governo um custo político excessivo.
A adoção do regime de
partilha reabriu inevitável discussão sobre a participação de Estados e
municípios nos resultados da exploração do pré-sal. Atiçado o vespeiro
federativo, a voracidade da disputa pelos recursos tomou conta do Congresso. De
pouco adiantou o veto presidencial. Acabou derrubado.
Com alguma razão, a
presidente Dilma agora se preocupa com sua imagem junto aos eleitores dos
Estados produtores de petróleo. Foi noticiado que Dilma gostaria que ficasse
claro que, na questão dos royalties, "sempre esteve com o Rio". A
presidente não poderia dizer outra coisa. Mas a verdade é que, como qualquer
pessoa minimamente familiarizada com as tensões do federalismo fiscal
brasileiro era capaz de prever, a reabertura da caixa de Pandora da
distribuição de royalties não poderia ter tido outro desfecho. Disso, até o
marqueteiro sabia.
FONTE:
Texto de Rogério Furquim Wernerck da PUC-Rio.
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